Formação

domingo, 20 de abril de 2014

Espetáculo sobre Rosa Luxemburgo estreia curta temporada em SP


Espetáculo sobre Rosa Luxemburgo estreia curta temporada em SP

De temperamento caloroso e apaixonado, a polonesa naturalizada alemã Rosa Luxemburgo (1871-1919) – uma das principais revolucionárias do século 19, defensora intransigente da democracia – é a centelha projetada pelo espetáculo Rózà para tratar das Rosas de todos os tempos. Com direção e adaptação de Martha Kiss Perrone e Joana Levi, a peça estreia nesta sexta-feira (dia 18), às 20h, na Casa do Povo, no Bom Retiro.
A peça fica em cartaz até o dia 11 de maio (Foto: Ernesto Vasconcelos/Divulgação)
A peça fica em cartaz até o dia 11 de maio (Foto: Ernesto Vasconcelos/Divulgação)
O espaço, fundado em 1949 por judeus provenientes da Europa Oriental, vive atualmente processo de retomada de suas atividades, com iniciativas ligadas à cultura contemporânea, se reinventando como um local de experimentação para a cidade de São Paulo. A temporada segue até o dia 11 de maio.
(Foto: Ernesto Vasconcelos/Divulgação)
(Foto: Ernesto Vasconcelos/Divulgação)
Com idealização, co-direção e coordenação de dramaturgia de Martha Kiss Perrone, pesquisa e colaboração dramatúrgica de Roberto Taddei, o espetáculo traz no elenco Lowri Evans, Lucia Bronstein e a própria Martha Kiss Perrone. Renato Bolelli assina a instalação coreográfica, enquanto Dani Porto é responsável pelos figurinos.
Boa parte das cartas e discursos de Rosa Luxemburgo que estão no espetáculo são inéditas no teatro. Em 2011, pela primeira vez no Brasil, foi publicada uma coletânea de cartas de Rosa Luxemburgo, traduzidas dos originais em polonês e alemão e organizadas por Isabel Loureiro.
“Como nossa pesquisa começou antes do lançamento da primeira publicação no Brasil, as primeiras cartas que entramos em contato foram traduzidas por Martha Kiss Perrone do francês, a partir de uma edição chamada Cartas de Prisão que influenciou muitas gerações de militantes durante décadas”, explica Martha.
Para dar vida às cartas escritas por Rosa Luxemburgo durante o período em que esteve nas prisões alemãs do começo do século 20, a encenação de Rózà une diferentes recursos dramatúrgicos – teatro, vídeo, música e performance. Por isso, as diretoras e atrizes definem o espetáculo como multimídia, que une artistas de diferentes áreas para encenar as palavras poéticas e políticas de Rosa.
(Foto: Ernesto Vasconcelos/Divulgação)
(Foto: Ernesto Vasconcelos/Divulgação)
Serviço:
Rózà
Casa do Povo
Rua Três Rios, 252, Bom Retiro (Metrô Tiradentes)
De 18 de abril a 11 de maio
Sextas, sábados e domingos, às 20h
R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)
80 minutos
12 anos.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Movimento de luta por creches públicas

 

Movimento de luta por creches públicas

Depoimento de Agnes Verm, estudante-mãe-trabalhadora da Unifesp sobre um episódio de desrespeito ocorrido na última Congregação do campus Guarulhos. Que as mulheres possam ter seus direitos à educação e à participação nas decisões políticas da universidade garantidos. Que o cuidado com as crianças não seja exclusivo das mães. E que as crianças também tenham seu direito à educação garantidos! Publicado originalmente no Facebook na página ‘Movimento pela creche na Unifesp’.
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Luta por creches públicas. Imagem: CUT/CE.
Luta por creches públicas. Imagem: CUT/CE.
Minha experiência e da Anna Julia na congregação do dia 06-02-2013.
Eu sou representante discente eleita pelos estudantes do Campus de Humanidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na última reunião da congregação minha filha estava no campus pois, após essa reunião teria uma apresentação de teatro, na disciplina sobre histórias da ditadura para crianças, elaborada por estudantes. O movimento de creche da Unifesp através do convite dos estudantes convidou em sua página as crianças para assistirem.
Antes da peça fui para a reunião da congregação e levei minha filha, ela esta no período de férias escolares, mas algumas vezes já teve que ir para a universidade comigo pois, no município de Guarulhos, as creches atendem as crianças somente quatro horas (isso é o horário de uma aula). A mais de um ano, desde a greve de 2012, o movimento estudantil pauta uma creche como garantia de acesso e permanência principalmente das mães-trabalhadoras na universidade.
As outras mães e responsáveis das crianças que brincavam com minha filha também foram assistir a congregação, reunião que é aberta para a comunidade. No momento em que entramos na reunião começou um debate de que as crianças não poderiam ficar naquele espaço pois elas estavam sendo expostas. Com essa afirmação eu concordo, pois elas passaram a ser expostas e de forma muito violenta quando alguns professores começaram a gritar e chamar as mães de irresponsáveis pelas crianças estarem naquele local, assim como quando o Diretor Acadêmico começou a cogitar a possibilidade de terminar a reunião por conta da presença das crianças. Foi realmente uma exposição.
Além disso, quando eu perguntei: Então a ideia é que eu, representante discente saía deste espaço pois minha filha não pode ficar nele comigo? As argumentações vinham no sentido de que se eu não pudesse estar naquele espaço que convocasse o meu suplente. Eu concordo que outras pessoas, além da mãe, podem e devem ser responsáveis com o cuidado das crianças, mas acontece que vivemos em uma sociedade machista que responsabiliza as mães com o trabalho do cuidado quase que 100%. Além disso, temos um Estado, junto as suas instituições, que não garantem o acesso ao direito de forma universal, ou seja, se você não é homem, branco, heterossexual e pertencente as classes dominantes não tem acesso aos direitos humanos mínimos.
Nesse sentido, as mães-trabalhadoras-estudantes (e solteiras) — como é meu caso — tem que ficar fazendo malabarismos para realizar sua tripla jornada e conseguir pautar algo que já esta em nossa constituição: o direito das crianças à educação!
Dado o cenário da congregação, onde temos uma ampla maioria de professores 70%, 15% de funcionários e 15 % de estudantes. A reunião foi encerrada pela presença das crianças. Com essa ação me sinto coagida a não fazer parte deste espaço, que é público, porque sou mãe. Além disso, a exposição criada para as crianças no ambiente foi bem violenta, na minha opinião. Algumas pedagogas argumentaram que o clima é muito hostil para crianças e que por isso não seria adequado. Eu concordo depois de ver o comportamento agressivo de alguns professores. Mas, para além disso, quero ressaltar que minha filha não vive numa bolha e nossa sociedade é, e cada vez mais, se torna violenta, infelizmente tinham crianças também no Pinheirinho. Infelizmente, também haviam crianças presentes no dia 14 de junho de 2013, quando a polícia entrou no Campus atirando e jogando bombas. Infelizmente, crianças presentes não tem direito à educação, à moradia, à saúde, etc. E, estão sendo retirados (e não podemos esquecer que as remoções acontecem por ninguém menos que a polícia militar) do lugar onde sempre viveram com seus país, porque quem decide pela cidade é….Nunca somos nós!!!Sim, nosso Estado é muito violento e imoral!!
Depois de alguns minutos, subi para ver quando seria a próxima reunião e encontrei o diretor acadêmico e presidente da congregação no corredor, com mais três professores. Perguntei a ele quando seria a próxima reunião. Ele pediu licença para fazer uma explicação, pois já havia sido meu professor, e disse: Vocês trazerem as crianças para a congregação é a mesma lógica que os pais que levam os filhos para um puteiro (explicando que não era apropriado). Eu perguntei: Você esta relacionando a congregação a um puteiro? Ele disse: Não, estou exagerando o exemplo para você entender!!
Enfim, não entendi o exemplo. Mas o achei extremamente absurdo! Concordo que as crianças tem direito de fazer outras coisas, como brincar, correr, desenhar. Justamente por isso estavam devidamente equipadas com brinquedos de mão, papéis e lápis de cor, além de livros. Eu entendi que ele estava relacionando lugares inapropriados para crianças. Mas ainda me fica essa pergunta: A congregação que estava ocorrendo em uma sala de aula é esse lugar?
Ah, com certeza conversei com minha filha para saber como ela ficou, se estava se sentindo mal e tal, porque eu estava e muito. Ela me disse: Eles não queriam que eu ficasse na reunião, né? Eles são muito chatos!!!
E claro que dentro de toda essa conjuntura, sem dúvida a quem diga: essas mães, ao invés, de ficarem em suas casas trancadas com seus filhos e filhas, para dar lhes segurança e proteção, no imaginário carro blindado e condomínio fechado, querem se expor e expor as crianças… Oi? Sim, somos mulheres públicas algum problema?
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Nota
A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, diante da manifestação de estudantes ocorrida na reunião da Congregação do dia 06/02/2014 no Campus Guarulhos, divulgou nota de esclarecimento sobre creches na Unifesp. O auxílio-creche, como o próprio nome diz, é uma ajuda que não resolve o problema das pessoas que tem filhos e querem trabalhar ou estudar e, nem das crianças, que tem direito a educação. O enorme déficit de creches que temos no Brasil demonstra a ineficiência do Estado, além de reforçar a lógica de que a família é a única responsável pelos cuidados com as crianças, quando este cuidado também deve ser responsabilidade do Estado e da sociedade.



Entrevista: Na UNIFESP, as mães se sentem excluídas
O jornal Unifesp Livre entrevistou a estudante Agnes Karoline, do curso de Ciências Sociais. Ela é representante discente e faz parte do Movimento de Luta por Creche 
http://unifesplivre.org.br/2014/04/09/na-unifesp-as-maes-se-sentem-excluidas/

 A estudante relatou as dificuldades de ser mãe na Unifesp
Unifesp Livre: Como surgiu a ideia de criar um movimento de luta por creche na Unifesp?
Agnes karoline: Eu entrei na Unifesp em 2011 e quando você ingressa na universidade tem aquela ideia de assistir a aula e depois voltar [para casa]. Isso acontece principalmente quando você é mãe e mal tem tempo para as atividades acadêmicas, quanto mais para vivenciar os outros espaços universitários. Durante a greve de 2012 percebemos que desde a fundação do campus, em 2007, havia alunas da Unifesp que eram mães e por isso tinham muitos problemas para continuar seus estudos.
Devido a greve e a ocupação ocorridas em 2012, estas mães tiveram tempo para conseguir elaborar sobre questões do seu interesse. Isso dentro de um movimento de mulheres que estava surgindo naquele momento.
Nos unimos em torno da reivindicação da construção de uma creche, uma das pautas da greve. Identificamos que esta é uma questão material e que contemplava as estudantes-mães.
Como estamos em uma sociedade machista, nós somos as únicas cuidadoras das crianças e, além disso, o Estado não cumpre com o seu dever de garantir o direito a educação.  
Por exemplo, as creches do município de Guarulhos atendem somente por um período de quatro horas. Assim, as mães que precisam trabalhar e estudar não são comtempladas porque o atendimento é limitado. Além disso, há uma fila gigantesca [para conseguir uma vaga]. Isto acontece em Guarulhos, São Paulo etc. Todos os municípios onde há unidades da Unifesp passam por situação semelhante, conforme ficou evidenciado pelo estudo de uma comissão da própria universidade.

Unifesp Livre: Quais os principais problemas enfrentados pelas estudantes que são mães?
Agnes Karoline: Há uma questão concreta. As mães muitas vezes trazem seus filhos para a faculdade. A partir disso, percebemos a necessidade de organizar uma creche. Nela, havia 10 pessoas que ficavam com as crianças e funcionávamos de forma rotativa. Quem não ficava na creche naquele dia, assistia as aulas.
As coisas, no entanto, não são tão simples assim. Para chegarmos até o campus usamos o ônibus [fretado] da Unifesp. Uma vez fui entrar no ônibus que traz os alunos do bairro dos Pimentas até o campus provisório e o motorista não permitiu que minha filha entrasse. Ele alegou que pelas regras da instituição o serviço é destinado apenas a estudantes. Isso é um empecilho e acontece de forma recorrente.
O campus, que mais parece uma “escolinha”, não tem estrutura para quase nada. Não tem fraldário, por exemplo. Ele não é pensado para mulheres que tenham filhos possam estudar.
Eu sou representante discente e houve um dia que o movimento por creche realizou uma reunião pela manhã, logo após haveria uma reunião da Congregação e depois uma apresentação de teatro infantil. Nós saímos desta reunião do movimento de creche e eu, como representante discente, precisava ir para a Congregação. Minha filha foi comigo e outras mães também foram e levaram seus filhos.
Na Congregação fomos completamente criminalizadas, a ponto de uma das professoras falar que precisava acionar o Conselho Tutelar porque estávamos expondo as crianças. Outra professora disse: “Sua filha é linda, mas está com o pé todo sujo”. As professoras gritavam. Tem um áudio que mostra tudo isso. O Daniel Vasquez queria interromper a reunião e me falou o seguinte: “Várias outras vezes você veio para a Congregação sem sua filha, poderia estar sem ela agora”.
A sensação de ser mãe aqui na Unifesp é de exclusão. A gente não tem nenhum direito assegurado. Não temos moradia, ficamos expostos a uma série de violências juntas dos nossos filhos. Ou fazemos isso ou pagamos um aluguel sozinhas, o que é impossível. Sem transporte, sem creche etc., enfim, nós estamos excluídas. Enquanto alunas-mães também somos excluídas da Congregação.

Unifesp Livre: Após este fato houve outro ataque ao movimento por creche?
Agnes Karoline: Sim. Uma estudante estava concorrendo a um projeto de extensão e ela estava grávida. Por causa disso, o professor a excluiu do processo com o argumento que ela não aguantaria o trabalho. Isto ocorreu no mesmo dia da reunião da Congregação em que as mães foram insultadas. Ainda nesta data, quando estava sozinha no corredor com o Daniel Vasquez, ele afirmou que a ação de trazer nossos filhos para a Congregação é a mesma de um pai que leva o filho para o puteiro. Achei a declaração um absurdo e publiquei um depoimento sobre isso no Blogueiras Feministas.
Como eu tornei isso público, ele se aproveitou de uma reunião que faria com os representantes discentes para me atacar. O caso envolvendo as crianças na Congregação foi levantado na reunião. Ele afirmou que era mentira e que, pelo fato do Centro Acadêmico de Pedagogia pedir uma averiguação do caso, ele poderia adotar ações jurídicas contra mim.
Não sei se ele fará isso, mas imagine a situação: estava na sala da diretoria acadêmica, somente com o Daniel Vasquez, duas professoras e os representantes discentes. Me senti ameaçada.

Unifesp Livre: Como mãe, qual foi sua reação a tudo isso?
Agnes karoline: Eu não consigo mais frequentar a universidade normalmente. Após isso, não consegui ir às reuniões da Congregação, por exemplo. Eu me sinto excluída.

Unifesp Livre: Gostaria de fazer alguma consideração final?
Agnes Karoline: As mães vivenciaram um processo e identificaram seus problemas. Quando começamos a organizar o movimento lançamos esta proposta para que as pessoas percebessem que a luta por creche é importante para o movimento estudantil e todos os estudantes.
Todas as mães que entrarem na universidade terão problemas como os que enfrentamos. Elas não irão conseguir ficar. Eu talvez não me forme. É algo desumano. O que enfrentamos é no mínimo uma tripla jornada.
Todos os movimentos devem apoiar esta luta. Os homens, inclusive. Porque é preciso haver uma divisão do trabalho, caso contrário as mulheres ficarão restritas ao ambiente doméstico. O movimento de luta por creche, por exemplo, também é composto por homens; participam mulheres que não são mães. É um movimento aberto que luta por uma pauta concreta. 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

A luta das mulheres pobres e pretas não cabe nos Tribunais Penais

Há duas semanas, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão mantendo a condenação de Dado Dolabella pela agressão a Luana Piovani. A decisão e especialmente o discurso utilizado na fundamentação arrancou comemorações não apenas da atriz, a suposta beneficiada com a “vitória”, mas de muita gente[1] e de quem, inclusive, nunca alimentou ilusões em relação ao Judiciário e sabe bem a serviço de quem ele está. Na contramão das celebrações, acreditamos que, infelizmente, não há o que comemorar. 



De fato, como afirmou um conhecido jornalista e companheiro da luta das mulheres, em artigo em que comenta com entusiasmo a decisão[2], “a violência contra as mulheres não distingue cor, idade ou classe social”. O Sistema de Justiça Criminal, contudo, caro companheiro, conhece todas essas distinções e em detalhes.

Dessa forma, embora a decisão proferida pelo STJ, no caso Luana Piovani, não nos faça mais uma vez ter que lamentar e repudiar a postura sexista e misógina que tantas vezes é escancarada pelo Judiciário brasileiro sem ruborizar, como a proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no próprio julgamento de Dado Dolabella , infelizmente, não é verdade que "a Lei vale para qualquer mulher, independentemente de sua condição física e social ou do local da agressão", como afirmou o Superior Tribunal.

Apesar do discurso não sexista do STJ na fundamentação dessa decisão, mérito, inclusive, que devemos à luta das mulheres, cuja pressão, por vezes é sentida pelo Judiciário, a verdade é que há distinção entre “as que podem e as que não podem apanhar”, o que faz do uso do discurso da igualdade, nesse caso, uma ferramenta do próprio Judiciário para legitimar (e ocultar) um tratamento diferenciado (à Luana Piovani) no enfrentamento da violência sexista doméstica.

A vitória da Luana Piovani nos tribunais não é uma vitória para todas as mulheres, sobretudo para as mulheres pobres, pretas e periféricas.

Desde o advento da Lei Maria da Penha, que em 2014 completa 8 anos desde a sua promulgação, não faltam relatos e notícias de mulheres que a "Justiça" não foi capaz de proteger. As “falhas” apontadas na atuação do Estado que, segundo a legislação, deveria proteges as mulheres, são das mais variadas espécies: o judiciário não concede as medidas protetivas, o executivo não faz sua parte na promoção das políticas públicas previstas (de renda, de redes de serviços de atendimento psicossocial e de proteção etc), as medidas protetivas não funcionam efetivamente, pois a polícia não faz sua parte, e, a mais apontada entre todas as falhas, há impunidade.

Até se falar em tipificar o feminicídio já se falou[3].

É verdade que tudo isso acontece, mas não é tão verdade assim que são falhas na atuação do Estado, da mesma maneira que não o são o descaso com a promoção de moradia, educação, saúde e, principalmente, as balas perdidas, as prisões “ilegais” e os “excessos” policiais nas periferias contra o povo pobre e preto.
Não são falhas, portanto, porque a atuação do Estado é produto do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas e, como tal, é expressão e mantenedor das relações (de produção) que caracterizam e estruturam esse sistema. A atuação do Estado Brasileiro é, assim, forjada pela e na conjugação das relações de classe, fundadas no violento processo de extermínio dos povos indígenas e de escravização dos povos africanos por povos europeus, e das relações (de dominação-exploração) entre homens e mulheres, modificadas nesse e por esse sistema de produção.



Em outras palavras, o Estado Brasileiro é garantidor das desigualdades sócio-raciais e do patriarcado (nome dado às relações de dominação-exploração entre homens e mulheres). É garantidor do “capitalismo-patriarcal”.

Nesse sentido, o Sistema de Justiça Criminal, aparelho penal do Estado, funciona não à supressão da criminalidade, mas como ferramenta que mantém e aprofunda as desigualdades sócio-raciais-sexuais, por meio da contenção punitiva das camadas em desvantagem nessas relações desiguais e, por isso mesmo, mais vulneráveis.

Dizemos que o Sistema de Justiça Criminal é por natureza seletivo: seleciona que bens proteger e que pessoas criminalizar e encarcerar, de maneira que 80% da população prisional no Brasil está presa por crimes contra o patrimônio ou por tráfico de drogas e os presídios encontram-se superlotados de jovens pobres, pretos e periféricos.

Acontece que, da mesma maneira que há uma seleção dos bens a serem protegidos, há uma seleção de quais bens NÃO proteger e consequentemente que pessoas também NÃO proteger.
A vida das mulheres e, sobretudo das mulheres pobres e pretas não é um bem selecionado pelo Estado para ser protegido e nunca será, não obstante os índices alarmantes de violência doméstica no país.



A Luana Piovani contou com o aparato do Estado, na condenação do autor de sua violência, não porque "a lei vale para toda e qualquer mulher", mas porque a Lei vale para mulheres como ela, brancas e ricas. Ao contrário de coibir, o Estado somente pode corroborar com a dinâmica do capitalismo-patriarcal, em que as maiores vítimas são as mulheres pobres e negras.

O Movimento Mães de Maio, surgido há cerca de 8 anos, mesmo período em que a Lei Maria da Penha está em vigor,  vem demonstrando exatamente isso, que o Estado Penal não promove proteção, exceto às classes sociais abastadas.

Unidas em torno do luto por seus filhos, lançaram-se à luta organizada escancarando as funções reais do Estado penal-militar: esculachar, prender e matar jovens pobres, negros e periféricos.

Ao se organizarem enquanto mães, mães pretas, pobres e periféricas, tais quais seus filhos executados, demonstraram também que a atuação violenta do sistema penal não é apenas dirigida a eles, mas também a elas, a essas mulheres e mães.

Pretas e pobres, trabalhadoras precarizadas, embrutecidas pelas responsabilidades que se sobrepõem, mães solteiras e, em grande parte das vezes, chefes de família, essas mães negras e periféricas não correspondem, aos olhos do Estado e da sociedade, aos “bons e domésticos padrões de gênero”, somente “acessível” à parcela branca e rica das mulheres.



Por essa razão, essas mães negras e periféricas de hoje, tal como suas ancestrais escravizadas, cujo ventre era regulado pelas leis da escravidão, cujos filhos lhes eram subtraídos, arrancados de seu convívio, vendidos separadamente no mercado de escravos, são impedidas, quando o Estado prende ou mata seus filhos, de exercerem a maternidade, são punidas por ousarem ser mães, por ousarem dar à luz a mais um ser de pela preta no país em que a escravidão só adquiriu novos contornos.

Essa é a mesma razão, inclusive, por que são as mulheres pobres e pretas a superlotar as filas dos presídios nos dias de visita. Valendo-se da responsabilização atribuída a essas mulheres pelo sustento e cuidado com seus filhos, o Estado as despe, as invade e as violenta, quando elas se dirigem aos presídios para visitar seus entes queridos.

Essa é a mesma razão, ainda, por que milhares de mulheres pobres e negras estão sendo encarceradas. Mães solteiras e chefes de família, principais ou únicas responsáveis pelo sustento do lar, estão em desacordo com a ordem patriarcal que estabelece a chefia da família como função exclusiva do homem. Ao mesmo tempo, constituem um interessante exército de mão de obra para a empresa da produção e do comércio de entorpecentes, alocando-se onde sempre estiveram as mulheres pobres e negras, nos postos mais precários de trabalho, com o diferencial de que, nesse caso, o mais precário é, não por coincidência, o mais suscetível à atividade policial.

Pelas lutas que vemos sendo travadas nas periferias, pelas mulheres pobres e negras, como a do Movimento Mães de Maio ou como a organização de mulheres familiares de pessoas presas, não vemos razão para crer que a lei penal seja capaz de trazer proteção a essas mesmas mulheres de pele preta quando violentadas por seus companheiros ou por seus familiares homens.

Assim, as medidas de proteção não são cumpridas quando a mulher em situação de violência reside em alguma “quebrada”, não porque o Estado falha, mas porque ele acerta no cumprimento de seus objetivos reais, por que a função da polícia não é, nunca foi e nunca será proteger vidas quando adentra favelas.
Por tudo isso, cremos que a escolha por delegar nossa proteção à Polícia, à Delegacia, ao Judiciário - ao Estado - está em contradição com a luta histórica das mulheres por autonomia. Todas essas instâncias sempre foram e sempre serão aspectos do patriarcado, não sendo possível derrubá-lo, lançando essa tarefa, que é das mulheres, a essas esferas.

Acreditamos que é preciso apostar na ousadia de construirmos nossa própria proteção, de maneira popular e autônoma!

Toda nossa solidariedade à Luana Piovani, mas a luta das mulheres pobres e pretas não cabe no Judiciário e nem nos Tribunais Penais!





[3]O comentário é de uma pesquisadora do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em “Lei Maria da Penha não diminui violência contra mulher no Brasil”, disponível no sítio: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/09/25/lei-maria-da-penha-nao-diminuiu-violencia-contra-mulher-no-brasil-diz-ipea.htm